Resenha > Depois do Vendaval

Um jornalista -- se não me engano o Sérgio Augusto do Estadão -- disse uma vez que dá uma olhada anualmente neste filme, pois é um dos seus prediletos. Eu sigo seu exemplo, mas com uma freqüência anual até maior, simplesmente porque eu adoro este filme. Por isso nas pobres linhas que se seguem tentarei passar a minha visão deste romance único (e maduro, como dizia John Ford).

Porque adoro DEPOIS DO VENDAVAL (1952)
Antes de qualquer coisa aprecio a camaradagem interiorana do povo e de vários personagens maravilhosos e inigualáveis de Innesfree, uma cidadezinha bucólica e linda, bem característica das paragens irlandesas. Esses personagens cativantes não se apertam na tentativa de fazer casar a "solteirona" Mary Kate Danaher (Maurren O'Hara) e o forasteiro Sean Thornton (John Wayne). Diria que é um filme "aconchegante", pelas locações e o carisma dos atores, pelo clima de camaradagem e inocência, e pela mão de seu diretor, John Ford.

No enredo Sean é um americano, ex-boxeador que mata tragicamente seu adversário no ringue e, traumatizado, decide-se por uma vida mais tranqüila, daí o título original The Quiet Man. Ele tem raízes na pequena e bucólica cidade irlandesa e vai viver por lá, comprando uma pequena casa adorável que pertenceu à sua família.

No primeiro momento ao ser levado da estação para a cidade, Thornton (e eu também) é arrebatado por uma cena absolutamente pastoral: a bela Mary Kate guiando suas ovelhas. Nosso herói desaba de paixão e Mary Kate intrigada pela presença do forasteiro quase corresponde. Esse romance promete.

O primeiro contato dos dois se dá na igreja, onde Thornton atrevidamente enche a mão na pia de água benta e entrega para a benção de Mary Kate. Uma bela cena romântica complementada pelo belo rosto surpreso de Mary. Sacrilégio!... Mas Deus é amigo das boas causas. O destino uniu os dois, nada pode separar a não ser o próprio Deus.

Tudo gira em torno deste par romântico. O americano moderno vindo da terra da liberdade não liga para as tradições. Mas em Innesfree as tradições são levadas a sério. Nosso herói não tem problemas com dinheiro pois ganhou muito lutando nos ringues, e ele era um dos melhores. Por que seguir as tradições e se preocupar com o dote de Mary Kate? Mas os problemas podem começar se nosso herói genioso (como Mary Kate) não ceder. O irmão de Mary, o brutamontes e enfezado Will Danaher (Victor MacLaglen) não olha nem para a cara do americano, mas é ele o responsável pela irmã e pelo dote e quem vai permitir ou não o casamento. Tradição é tradição.

Os dois estão apaixonados mas Mary e todos os seus conterrâneos acham que Thornton tem que enfrentar o irmão brutamontes por uma questão de dignidade, e por pouco ela encara seu amado como um covarde. Mas os traumas de Sean são vívidos e ele não quer briga. Uma frustração para o povo de Innesfree que sem coragem de enfrentar o briguento Will sempre esperou alguém para dar uma boa lição no brutamontes, e esse alguém é o nosso herói. Uma briga de pesos pesados.

Enfim, o filme segue com todos os seus detalhes fordianos bem característicos. Personagens riquíssimos como o etílico Michaleen Oge Flynn (Barry Fitzgerald) e o padre Peter Lonergan (o colaborador fordiano Ward Bond) que são incomparáveis, junto com o casal Wayne e O’Hara e mais McLaglen que dão um banho de interpretação e uma veia humorística fenomenal.

Além da cena pastoral do amor à primeira vista e a da outra cena da pia de água benta na porta da igreja, destaco a fuga do casal do condutor Michaleen na hora da corte. Vão parar num cemitério antigo fugindo da chuva com seus corpos molhados, a cena é sensual e os dois estão tão apaixonados que pensam em pular todas as etapas pré-casamento, mas são repreendidos, penso, por Deus através de um estrondo de um trovão que deixa Mary e Thornton atônitos. Um amor sob a Graça de Deus não combina com o vulgar. Maravilhosa cena.

Outra cena antológica é quando Thornton arrasta primitiva e literalmente Mary Kate para resolver toda a situação com o cunhado. As feministas devem ter se rasgado nesta cena... São seguidos por toda a população de Innesfree. Quem pode perder um verdadeiro acontecimento como esse?

Um filme fordiano genuíno e maravilhoso!

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