Resenha > O Sol é para Todos

Num post mais antigo havia dito que um pai sábio e honrado nunca será esquecido por seu filhos. E é exatamente o que Atticus Finch (Gregory Peck) representa para seus filhos e para a cidadezinha sulista americana (Macomb, Alabama) onde ele advoga. Atticus, como seus filhos foram acostumados a chamar o pai, tem dois filhos órfãos de mãe, a moleca Scout (Mary Badham) e o valente Jem (Phillip Alford), inteligentes e cheios de curiosidade perante a vida, eles vivem nesta cidadezinha que parece não ter sofrido os sintomas da grande depressão de 30, a não ser pela notória crise financeira de seus moradores e nas indagações de Scout respondidas por Atticus: - Sim, nós somos pobres... No entanto, o fato de ser pobre é suplantada por uma dignidade notável, até mesmo quando o pagamento para os préstimos advocatícios de Atticus são pagos em verduras e legumes, e também na relação de confiança dos Finch com a empregada negra Calpurnia (Estelle Evans), uma mãe para as crianças.

As crianças junto com Atticus são a pedra mestra desse grande filme. Peck ganhou um Oscar como ator. Seu monólogo no tribunal foi transformado até mesmo em música pelo povo americano.

Atticus é viúvo, sofre com a ausência da esposa amada, mas ele é forte e sabe que o sofrimento deve ser suportado. Scout não conheceu a mãe e tem muitas perguntas para Jem sobre ela. O pai ouve as perguntas e sabe o quanto os filhos também sofrem com a ausência da mãe. Isto lhe dá maior força ainda para aceitar um destino sob a vontade divina, apesar de não termos nenhum indicativo de religiosidade no filme, Atticus é um bom homem que está sob a Graça e aceita a vontade de Deus. Por isso luta contra as adversidades pela frente.

Jean ‘Scout’ Finch e Jem nas suas brincadeiras e andanças totalmente à vontade pela sua cidade são relembrados por uma voz em off de Scout já adulta. Lembranças dos seus seis anos onde aconteceu de seu pai ter aceitado defender o negro Tom Robinson (Brock Peters) da acusação de estupro da branquela Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton), apesar de grande parte da população de Macomb ser violentamente contra esta defesa.

Uma vez mais aqui é explorada a sinistra página sobre racismo da história americana (como no maravilhoso filme de Ford, Audazes e Malditos, onde o negro acusado de estupro e assassinato também é inocente). Mas o mais importante é a forma como ele é combatido, sempre na figura de uma pessoa digna indo contra o establishment local, ou seja, os caipiras da cidade, estigmatizados com a crise da Depressão de 30 . Só que aqui uma derrota representa acontecimentos trágicos que podem marcar com profundas cicatrizes as pessoas. Scout vai descobrir pouco a pouco como o mundo é mais temeroso do que sempre imaginou.

Nossos dois moleques tem um admirador secreto -- a reciprocidade perante este admirador é de mistério e temor --, ele é Boo Radley (o excelente Robert Duval, um tanto irreconhecível), o vizinho deficiente mental que presenteia as crianças com vários objetos lúdicos deixados no tronco de uma árvore. Jem guarda tudo numa caixa secreta que depois de muito custo Scout consegue ver (a abertura do filme mostrando esses objetos é magnífica na cinematografia).

Boo tem um papel grandioso na trama. Na minha ótica ele representa o anjo protetor das crianças, com sua pouca idade mental, mas talvez com um sentimento inato de amizade para com as pessoas boas. Faz-me lembrar muito o defeito genético da Síndrome de Down (não é o caso de Boo) que faz seus portadores serem absolutamente gentis. Boo apesar de deficiente, é ironicamente o contrário dos intransigentes caipiras de Macomb.

Minha cena de destaque se passa no tribunal, depois do maravilhoso monólogo de Atticus Finch, ao final do julgamento derrotado pelo duro -- e branco -- corpo de júri, o defensor recolhe suas coisas e sai do salão, automaticamente todos os negros que estavam nas galerias levantam-se em uma atitude de respeito pelo advogado. Scout cansada por ter assistido impassível o julgamento com seu irmão Jem e o amiguinho, junto a multidão dos negros, é instada pelo reverendo a se levantar com as palavras:

- Levante-se senhorita Finch! Seu honrado pai, o grande Atticus Finch está se retirando...

Emocionante cena num maravilhoso filme. O Sol é para Todos (1962), de Robert Mulligan.

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