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AI - Inteligência Artificial de Steven Spielberg, idéia original de Stanley Kubrick

Stanley Kubrick tem uma coisa que considero única nos seus filmes (muitos filmes tem isso também, mas Kubrick faz isso muito bem), que é a realidade nas cenas. Explico... Os atores não parecem atores, mas pessoas reais. Isso acontece na cena da entrevista em O ILUMINADO e várias outras em 2001, só para citar alguns exemplos. O olhar do diretor é muito crítico e ele dirige os atores com muita seriedade. Lembro do diálogo entre Kubrick e Frederic Raphael, o roteirista de DE OLHOS BEM FECHADOS, no livro do próprio roteirista KUBRICK - DE OLHOS BEM ABERTOS, onde Kubrick fala de uma falha de direção num filme de Woody Allen em que o protagonista tinha uma casa de um tamanho que não era compatível com seu salário de médico. Detalhes assim que podem parecer bobocas fazem parte do perfeccionismo do genial diretor.

AI - INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL que recentemente adquiri, é um bom filme. Dirigido por Steven Spielberg em cima de uma idéia de Kubrick, que por sua vez se baseou no conto Superbrinquedos Duram o Verão Inteiro de Brian Aldiss. Confesso que não sou muito fã de Steven Spielberg, acho seus filmes um tanto espetaculosos demais. Considero exceções como CONTATOS IMEDIATOS e A LISTA DE SCHINDLER, que é pra mim seu filme mais adulto. Mas Kubrick gostava de Spielberg, em especial de seu filme Jurassick Park onde ele viu a viabilidade de AI com os efeitos especiais. Nas conversas com SS pediu para que ele dirigisse AI, já com o roteiro elaborado pelo mestre. Spielberg, como fã de Kubrick, não queria dirigir e pediu para que o próprio dirigisse, doido para saber como ficaria o roteiro na mão do mestre. Só que infelizmente Kubrick faleceu (07mar99), antes da tão esperada filmagem. Não teve jeito, SS teve que assumir o projeto e a direção de AI.

Iniciei com um parágrafo falando do perfeccionismo de Kubrick, para fazer um paralelo com o que SS conseguiu com AI. O filme é belo, efeitos especiais fantásticos, mas falta algo. Algo como o olhar genial de Kubrick. Como o silêncio providencial ou a música perfeita na sequência perfeita ou ainda os atores como quase pessoas reais ou cenas que extrapolem o sublime. Não sei dizer se os ridículos ETs do final foram pensados por Kubrick, só sei que dão um ar de artificialidade, mas também não sei o que poderia entrar no lugar. A cena se passa dois mil anos depois da extinção do homem na Terra. Logicamente é um tanto esotérico demais termos ETs realizando sonhos de um robô. Soa very strange.

Não gosto muito das representações dos atores, a exceção é o garoto robô David(Haley Joel Osment). A bela Monica Swinton (Frances O'Connor) não convence como a mãe do robozinho, ela é 'modelo fashion' demais. E o cientista (louco) Prof. Hobby (William Hurt) também não me passa algo de profissional, se é que me entendem. Na cena inicial, o local é uma mistura de espaço acadêmico com empresarial. Os estudantes bobocas são bem típicos de filmes bobocas. Outra cena meio fake é o show de destruição de robôs do Mercado de Pele, uma cena bem tipicamente espetaculosa do Sr. Spielberg.

Há muitas cenas em que Spielberg faz homenagens a filmes de Kubrick. Uma delas se refere a LARANJA MECÂNICA quando o grupo vai no fantástico carro futurista para a Cidade do Prazer, SS usa uma tomada frontal igualzinha a de Kubrick. Outra é o design da Cidade do Prazer que lembra as esculturas kitch de Laranja Mecânica.

Bem, a história é impactante quando mostra uma assimilação humana no robô, superando as expectativas de seu criador e incorporando uma pseudo bondade humana. Uma incorporação total e extrapolativa das três leis da robótica de Asimov, apresentadas na obra literária EU ROBÔ (o filme é boboca, mais uma via de promoção do canastrão Will Smith):

1ª lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Leis.

O robô David (nome bíblico emblemático: o menino segundo o coração de Deus) depois de abandonado encontra um amigo também robô chamado Joe (Jude Law) um produto ideal para a sociedade do prazer: um robô gigolô. Joe tem também suas indagações filosóficas quando ele afirma que os homens vão, mas os robôs ficam, e no seu grito ao se afastar forçosamente de David: Eu existo!

Aí vai um exagero cristão meu: Se David estivesse sob os cuidados do Espírito Santo de Deus estaria ele a par da sua questão existencial? Sem dúvida David está em busca de uma alma para torná-lo humano. Sua "vida útil" é muito maior do que nosso bíblico Matusalém. Todos os humanos vão morrer, David vai permanecer. As referências à obra AS AVENTURAS DE PINÓQUIO de Carlo Collodi (Calma! Não errei... Walt Disney fez só a animação), são a inspiração do robozinho em sua busca da fada madrinha que vai torná-lo um humano. Ele encontra finalmente sua fada azul na cidade inundada, uma mensagem ecochata apocalíptica do derretimento das calotas polares.

David tem fé, mesmo sem saber o que significa isso, mas ele ora, e ora, e ora, até não poder mais, para obter sua vida humana. No seu desconhecimento de Deus a fada madrinha é sua representação. Só que Deus cria Suas leis para que nem mesmo Ele possa interferir, elas são perfeitas e não precisam mais de Sua interferência, uma delas é o tempo, a outra, pode ser dar a alma a uma máquina robótica. No Alcorão há uma interessante passagem onde diz que na infância de Jesus ele deu vida a um pássaro de barro com um sopro. Mas Alcorão não é a Bíblia.

Mais uma vez temos a ciência querendo ser Deus, ao criar um ser que nunca vai ser humano pela vontade dela. Como disse, é um filme muito interessante e curioso. E a curiosidade se estende na impossibilidade de saber como seria AI na mão do gênio Stanley Kubrick.

Nota oito!

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