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O Leopardo (Il Gatopardo), de Luchino Visconti

Baseando-se no premiado romance de Lampedusa, Visconti conta a história de Dom Fabrizio Salina (Burt Lancaster no grande papel de sua carreira), um refinado príncipe da Sicília que testemunha a decadência da nobreza e a ascensão da burguesia, durante a Unificação da Itália, em 1860. (by www.2001video.com.br)

Grande filme do perfeccionista Luchino Visconti.

Burt Lancaster, fenomenal, é o príncipe Dom Fabrizio Salina, o Leopardo. Um grande homem, cabeça de uma numerosa família. Dom Fabrizio é católico, como ele próprio diz, sua existência acontece numa época de grandes incertezas: "Minha geração é infeliz dividida por dois mundos e pouco à vontade em qualquer um deles".

Já na primeira cena vemos seu palácio degradado e quase isolado dos acontecimentos que acabam por mudar os rumos históricos da Itália, com a unificação de seus estados, surge o histórico Risorgimento em 1860. A história se passa num dos locais mais problemáticos para a unificação, a Sicília, um local de afluência dos mais diferentes povos. Uma ilha voltada para o meio do mediterrâneo e que fez surgir para o mundo a máfia, desde a época dos Bourbons até nossos dias. Nesta época os principados italianos estão em franca decadência, e o vulto heróico italiano e revolucionário Giuseppe Garibaldi em plena ascenção. Dom fabrizio diz: "-- Somos velhos, vinte e cinco séculos carregamos o peso de civilizações heterogêneas, todas vindas de fora."

Dom Fabrizio sabe de tudo o que anda acontecendo. É um verdadeiro e respeitado líder para seus parentes e para os habitantes da região onde vive. Sábio e inteligente sabe muito bem que não pode mais lutar contra uma situação irreversível. É uma época de revoluções, uma delas a Revolução Industrial, época também de progressos econômicos e culturais que abriram os olhos das pessoas para a tirania, os que viviam nos principados tem sua chance de viverem por si e não em função do próprio principado. Contudo muitos camponeses ainda eram favoráveis aos principados. Mais tarde o próprio Garibaldi admitiu ser melhor a monarquia para unir a Itália do que a separação num regime mais democrático.

À medida que Garibaldi avança sobre a Sicília, o príncipe Dom Fabrizio sente que é hora da família se deslocar para o interior onde têm uma casa de campo. Lá ele vai viver até seu últimos momentos.

O sobrinho de Dom Fabrizio Tancredi Falconeri (Alain Delon), também é um revolucionário, daqueles que fazem sua revolução com os que estão ganhando. Dom Fabrizio conhece-o muito bem e sabe que mais dia menos dia seu futuro será o de viver no mundo de mentiras dos políticos. Se ajustando as várias situações criadas Tancredi é um camaleão. Isso não muda a opinião de Dom Fabrizio até mesmo na hora de ser convidado por um emissário do Rei para ser um senador pelo Estado Unificado. Prontamente ele se recusa. Ele ainda é um príncipe, e nada poderia fazer no papel de senador, isso ele deixa para os mais jovens e ambiciosos como seu sobrinho.

O interessante em Dom Fabrizio é que ele é um católico morno, apesar de todos os seus procedimentos dogmáticos. Diferentemente de sua mulher uma católica ferrenha. Ele se ressente diante do padre do principado de que sua esposa deu sete filhos para ele, mas ele jamais a viu nua. O padre sabe de suas fugas para aldeia onde tem uma amante e Dom Fabrizio não esconde nada dele. No livro que se baseou o filme (O Leopardo, de Lampeduza) a figura do padre é completamente diferente, ele é muito mais sábio, na verdade um erudito. No filme é uma figura tragicômica, ridicularizado pelo próprio príncipe e uma imposição estranha do diretor Visconti ao roteiro do filme.

O que gostaria de destacar é uma certa coerência de Dom Fabrizio. Ele sabe o que quer e sabe até quanto pode ir. No grande baile em uma grande casa de um outro nobre, O Leopardo vê a própria decadência dos nobres em seus gestos e palavras, nos seus salões e banheiros repletos de urinóis dos convidados. Ali ele chora e vê o quanto sua geração foi marcada como num carimbo em papel, em que a tinta de tão pouca já não se nota mais o que foi impresso. Um época maldita que foi anunciada para que ele ainda em idade plena de suas faculdades mentais e físicas pudesse testemunhar as transformações. Quase como um Moisés impedido de prosseguir para a Terra Santa, mas que teve a visão do todo. Assim foi O Leopardo também, longe de toda a agitação ele pode divisar ou até mesmo profetizar o que acontecerá no futuro. Com toda sua pompa, com toda a sua aristocracia, nunca teve a esperança de mudar nada e sabia o quanto era difícil retirar as pessoas de sua própria miséria. Numa frase ele resume tudo: "Mudar para continuar tudo no mesmo".

Na cena inicial Dom Fabrizio reza o terço com sua família, no final, depois do baile, ele vai andando sozinho diante da miséria das construções, ao ver uma estrela brilhante no céu, como que num rompante de descoberta de um Deus mais próximo, ele faz uma bela oração poema a este seu Deus desconhecido.

O Leopardo (Il Gatopardo), de Luchino Visconti (ITA, FRA 1963)

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