Resenha > Meu número 2 de todos os tempos

2001 – Uma Odisséia no Espaço

Quando Gene Rodenberry cunhou a frase ESPAÇO, A FRONTEIRA FINAL que era sempre dita no início do seriado Jornada nas Estrelas, talvez ele tenha sido um tanto simplista demais, porque um dos lugares mais inóspitos e fora de alcance para o homem sem dúvida alguma é o espaço sideral. Não se trata apenas de uma linha para ser transposta, mas uma dimensão inimaginável, com uma montanha de problemas físicos para a sobrevivência do homem. Penso que o primeiro problema é a dificuldade que o homem tem de se desvencilhar da força da gravidade que o mantém preso no planeta (hoje há até um consenso de que a gravidade terráquea é bem mais fácil de amenizá-la, só falta a tecnologia, que mais cedo ou mais tarde aparece), parece que Deus criou muitas dificuldades para o homem porque Ele já sabia da sua sanha de querer sair pelo espaço afora para satisfazer sua curiosidade, fugindo dos seus vários problemas de difícil resolução aqui na Terra.

A palavra no título de nosso filme é realmente a mais apropriada: ODISSÉIA (Space Odyssey). Desde os primórdios o homem vem lutando pela sua sobrevivência. Mal sabe ele que vem sendo acompanhado ou mais apropriadamente abençoado por uma entidade muito maior do que ele. Seria o monólito(1) um ídolo herético ou uma representação simbólica do Deus vivo? Talvez um altar como o do Antigo Testamento, mas de forma verticalizada. Não sabemos. Mas quando o homem-macaco no seu estado primitivo é surpreendido por esse estranho monólito negro, seu cérebro parece ser tocado por algo que há muito o vem observando e acompanhando. Dali em diante o homem-macaco torna-se um ser pensante. Penso, logo existo. E a sua existência depende da sua sobrevivência num lugar hostil quase como o espaço, difícil de viver, com muitos predadores. Mas o homem foi feito para subjugar os animais e ele de caçado se torna o caçador. A tomada cinematográfica do osso sendo jogado, cortada para a espaçonave é uma das mais geniais do cinema, ali um simples osso se transforma na ferramenta que o levará a vôos muito mais altos. Como conseguir ir do homem-macaco à exploração do espaço? Somente pela semelhança a Deus.

É interessante notar que nas tomadas de Kubrick, parece que o grupo dos homens-macacos estão sendo observados por nós através de um vidro, como numa experiência de comportamento. Seria uma representação de como Deus ou seus emissários nos observam?

O monólito está enterrado na lua. Ele poderia estar ao alcance da mão como nos primórdios, mas o homem hoje está cegado pela ciência, ele é frio não compreende mais a transcendência. O orgulho fala mais alto. Ele chegou ao espaço, mostrou seu poder, quem precisa do Deus vivo? Ele cria máquinas (o super computador HAL, dizem, uma brincadeira com as letras anteriores às de IBM) que pensam como ele, se humanizam, tanto que até não tem mais escrúpulos em matar outro ser humano. Ele aprende a observar como homens observam homens. Como na experiência da foto com vários elementos, inclusive a figura humana, seu olhar bate primeiro justamente onde está a figura humana. Um olhar magnético sobre a figura humana. Hal está demonizado. Como quase-humano ele é usado pelo Diabo. Ele não vai economizar forças para fazer com que o homem não atinja seus objetivos.

O homem está (inconsciente) na busca de sua transcendência: o que sou? Por que estou aqui? Mas Deus está sobre todas as coisas, inclusive sobre HAL/Diabo. Nosso Deus não quer caminhos fáceis para o homem, ele faz isso porque é dono do Amor Grandioso. Ele quer ver o homem, sua criatura, superando os obstáculos que o vão fazer compreender o porquê desse amor tão grande. Ele quer ver o homem chegar, no lugar incompreendido, lugar de mistério em espaço infinito, mas numa finitude provocada. Nivaldo Cordeiro vê na sua brilhante análise de 2001, o símbolo da cruz em muitas cenas. É esta a compreensão da finitude. Na figura daquele que desceu do Éter e tornou-se um como nós. A busca do homem segue pela sua curiosidade de saber, chegar onde nenhum homem jamais esteve. O caminho é sinalizado. Deus acompanha. Ele quer que o homem o conheça novamente. Planeta Júpiter/Zeus ou DEUS que é o caminho final.

Stanley Kubrick é um gênio. Gênios estão muito a frente de seu tempo. A Ficção Científica nunca mais foi a mesma depois de Kubrick. Gênios são sérios. 2001 é um filme sério. Os astronautas (Dave Bowman/Keir Dullea e Frank Poole/Gary Lockwood) não tem os maneirismos americanos dos filmes de FC, eles são frios. Incapazes de se emocionar numa cena de aniversário. Estão longe, muito longe. No éter... lugar de silêncio, de reverência. Um lugar hostil para um grão de poeira como o homem. Lá você não escuta as explosões magníficas dos filmes bobocas de FC. Lá, as leis da física funcionam mesmo. O que você escuta é o bater do coração ou a respiração ofegante. Ou, quando o gênio quebra o silêncio com obras de outros gênios, como Strauss.

Depois de Bowman fazer a sua viagem lisérgica. Sim, talvez porque nessa viagem final para a busca transcendente, o cérebro precise estar desligado do entendimento comum. Desligado para evitar a linha tênue entre a sanidade e a loucura. O homem é frágil, nos seus momentos gloriosos ele nem percebe. Ele vê sua vida simbolizada do FINAL para o INÍCIO. A nova vida proporcionada por Aquele que sinalizou o caminho, que o acompanhou, que permitiu ser conhecido. O final muito bem interpretado por Nivaldo Cordeiro é a esperança no bebê no útero, reverência simbólica, como na oração perfeita (o louvor perfeito que sai da boca das criancinhas) ao planeta perdido.

2001 - Uma Odisséia no Espaço (EUA/Ingl, 1968) de Stanley Kubrick
Um filme maravilhoso!
(enquanto escrevia esta resenha ouvia Also sprach Zarathustra, música tema do filme)

(1) Adendo - Na Bíblia há uma passagem onde Jacó usa uma pedra como travesseiro e tem um sonho onde Deus fala com ele. Depois ele usa a pedra para marcar o local com um monumento. O Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier cita a pedra sagrada chamada bétilo (um termo semita e Jacó era semita) que significa CASA DE DEUS (pág. 129), venerada por árabes como manifestação da presença de Deus ou receptáculo do poder de Deus.

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