Resenha > A Fonte da Donzela
A história passa-se no século XIV, Suécia medieval.
Em uma propriedade rural de família cristã, moram o dono Töre (Max Von Sydow) e Märeta (Birgitta Valberg), respectivamente pai e mãe da menina virgem Karin (Birgitta Pettersson), filha única do casal. Compõem ainda o grupo familiar, empregados e uma criada adotiva e pagã Ingeri (Gunnel Lindblom), grávida e tomada pela inveja de Karin.
Em plena sexta-feira da paixão, a virgem Karin cumpre uma tradição da família: levar velas para a Virgem Maria numa igreja bem distante da propriedade. No caminho acontece a tragédia.
O filme trata também do embate religioso entre o cristianismo representado por Karin e o paganismo por Ingeri. O bem, na figura da família cristã, contaminado pelo mal na figura de Ingeri e dos pastores de cabras que atacam Karin.
Gostaria tão somente de falar de um componente desse grupo de pastores, um garoto (Ove Porath), que achei muito interessante e tocante.
O grupo parece não ter onde morar, andam ao relento. Os dois adultos que considero duas figuras satânicas, estupram e matam Karin. O garoto órfão que os acompanha, presencia tudo. Ele está animalizado pela influência e má companhia dos outros dois. Ainda assim ele fica numa dicotomia, tentando interpretar o que acontece. Há quase uma capacidade inata de saber definir o que é mal, mas ainda assim há dúvida. Para um garoto ignorante e inocente que aparentemente deve ter uns oito a dez anos, é uma situação tão melindrosa que me deixa profundamente tocado.
Quando Karin é assassinada seu corpo despojado sobressai sobre a relva. Os dois pastores satânicos fogem com as belas roupas cerimoniais de Karin e pedem para que o garoto fique para cuidar das cabras. Ele completamente só vai até o corpo e tenta pateticamente escondê-lo com um punhado de terra. É tocante. Ele está confuso e não sabe muito o que fazer. Uma bela cena em que Ingmar Bergman mostra com maestria a debilidade do garoto num momento trágico. Talvez esse tenha sido um momento que coroou a maldade que vem há tempos abraçando seus dois companheiros e que quer abraçá-lo também. Ele tenta comer o pão que Karin estava levando, não consegue, apesar da fome a situação provoca vômitos nele. Nesse momento começa a gear.
Mais tarde, os três, agora juntos, fogem do frio e vão pedir abrigo, sem saber, na propriedade do pai de Karin. Neste momento os pais ainda não tem a preocupação extrema da demora da filha, embora a mãe que já perdeu vários filhos, tenha lá suas intuições. Os pastores são recebidos. Comem à mesa com o grupo. O garoto ainda enjoado pelas lembranças, vomita e derruba sua comida. Seus "irmãos" constrangidos pedem desculpas. Está na hora de todos deitarem, o garoto ganha uma cama de palha, assustado como um passarinho que nunca teve um teto e que fica mais à vontade ao relento, vê a fumaça do fogo saindo pelo teto. Um dos empregados que parece ser um místico, faz uma comparação dele com a fumaça que se concentra dentro do ambiente mas que lá fora se espalha por toda a infinitude do espaço. O místico parece saber o que foi que se passou, o garoto fica muito assustado. Dá pena ver seu semblante.
Quando os satânicos tentam vender os despojos de Karin para a própria mãe, ela conta para o marido. O menino não escapa, ele é atirado por Töre contra a parede e morre. Não teve culpa alguma. Nunca teve culpa. Töre pede perdão a Deus por ter sujado suas mãos de sangue. Um momento de muita compaixão, confesso, tenho pelo garoto. Ele teve uma morte violenta. Mas os pequeninos inocentes estarão sempre sob a mão de Deus, isso é confortante. Ele foi liberto, afastado de um lar onde poderia viver estigmatizado como Ingeri, apesar de ser um lar cristão. Alguma coisa boa, penso, há de ter tido para ele ao ser afastado deste mundo cruel por Deus.
Karin, virgem, alegre, cheia de vida e devota, morreu num lugar onde milagrosamente surge uma fonte de águas cristalinas. Ingerin que acompanhou Karin na sua viagem, mas dela se separou depois, viu escondida tudo o que os assassinos fizeram, sentiu-se arrependida de não ter tentado evitar a morte da ama, por isso de ímpeto banhou-se nas águas batismais da Fonte da Donzela.
A Fonte da Donzela (Jungfrukällan), de Ingmar Bergman (Suécia, 1960)
Em uma propriedade rural de família cristã, moram o dono Töre (Max Von Sydow) e Märeta (Birgitta Valberg), respectivamente pai e mãe da menina virgem Karin (Birgitta Pettersson), filha única do casal. Compõem ainda o grupo familiar, empregados e uma criada adotiva e pagã Ingeri (Gunnel Lindblom), grávida e tomada pela inveja de Karin.
Em plena sexta-feira da paixão, a virgem Karin cumpre uma tradição da família: levar velas para a Virgem Maria numa igreja bem distante da propriedade. No caminho acontece a tragédia.
O filme trata também do embate religioso entre o cristianismo representado por Karin e o paganismo por Ingeri. O bem, na figura da família cristã, contaminado pelo mal na figura de Ingeri e dos pastores de cabras que atacam Karin.
Gostaria tão somente de falar de um componente desse grupo de pastores, um garoto (Ove Porath), que achei muito interessante e tocante.
O grupo parece não ter onde morar, andam ao relento. Os dois adultos que considero duas figuras satânicas, estupram e matam Karin. O garoto órfão que os acompanha, presencia tudo. Ele está animalizado pela influência e má companhia dos outros dois. Ainda assim ele fica numa dicotomia, tentando interpretar o que acontece. Há quase uma capacidade inata de saber definir o que é mal, mas ainda assim há dúvida. Para um garoto ignorante e inocente que aparentemente deve ter uns oito a dez anos, é uma situação tão melindrosa que me deixa profundamente tocado.
Quando Karin é assassinada seu corpo despojado sobressai sobre a relva. Os dois pastores satânicos fogem com as belas roupas cerimoniais de Karin e pedem para que o garoto fique para cuidar das cabras. Ele completamente só vai até o corpo e tenta pateticamente escondê-lo com um punhado de terra. É tocante. Ele está confuso e não sabe muito o que fazer. Uma bela cena em que Ingmar Bergman mostra com maestria a debilidade do garoto num momento trágico. Talvez esse tenha sido um momento que coroou a maldade que vem há tempos abraçando seus dois companheiros e que quer abraçá-lo também. Ele tenta comer o pão que Karin estava levando, não consegue, apesar da fome a situação provoca vômitos nele. Nesse momento começa a gear.
Mais tarde, os três, agora juntos, fogem do frio e vão pedir abrigo, sem saber, na propriedade do pai de Karin. Neste momento os pais ainda não tem a preocupação extrema da demora da filha, embora a mãe que já perdeu vários filhos, tenha lá suas intuições. Os pastores são recebidos. Comem à mesa com o grupo. O garoto ainda enjoado pelas lembranças, vomita e derruba sua comida. Seus "irmãos" constrangidos pedem desculpas. Está na hora de todos deitarem, o garoto ganha uma cama de palha, assustado como um passarinho que nunca teve um teto e que fica mais à vontade ao relento, vê a fumaça do fogo saindo pelo teto. Um dos empregados que parece ser um místico, faz uma comparação dele com a fumaça que se concentra dentro do ambiente mas que lá fora se espalha por toda a infinitude do espaço. O místico parece saber o que foi que se passou, o garoto fica muito assustado. Dá pena ver seu semblante.
Quando os satânicos tentam vender os despojos de Karin para a própria mãe, ela conta para o marido. O menino não escapa, ele é atirado por Töre contra a parede e morre. Não teve culpa alguma. Nunca teve culpa. Töre pede perdão a Deus por ter sujado suas mãos de sangue. Um momento de muita compaixão, confesso, tenho pelo garoto. Ele teve uma morte violenta. Mas os pequeninos inocentes estarão sempre sob a mão de Deus, isso é confortante. Ele foi liberto, afastado de um lar onde poderia viver estigmatizado como Ingeri, apesar de ser um lar cristão. Alguma coisa boa, penso, há de ter tido para ele ao ser afastado deste mundo cruel por Deus.
Karin, virgem, alegre, cheia de vida e devota, morreu num lugar onde milagrosamente surge uma fonte de águas cristalinas. Ingerin que acompanhou Karin na sua viagem, mas dela se separou depois, viu escondida tudo o que os assassinos fizeram, sentiu-se arrependida de não ter tentado evitar a morte da ama, por isso de ímpeto banhou-se nas águas batismais da Fonte da Donzela.
A Fonte da Donzela (Jungfrukällan), de Ingmar Bergman (Suécia, 1960)